Eu e meu companheiro estávamos realmente comovidos com a história do boiadeiro que, ao que parecia, soubera guardar por tantos anos a mais pura lealdade para com aquela que fora o seu primeiro e único amor. Venâncio, por sua vez, como que revivendo no seu íntimo as peripécias do seu amor infeliz, silenciara-se e apenas nos lançava rápidos e estranhos olhares. Para quebrar aquele silêncio que pesava sobre nós, perguntei-lhe:
— E após a morte da Ritinha o senhor nunca mais pensou em casamento?
— Ritinha não morreu.
— Não morreu?!
— Não, senhores. Ritinha não morreu e poucos meses depois casei-me com ela.
E virando-se para dentro da casa, chamou:
— Ritinha! Ó Ritinha, venha aqui, venha comprimentar os amigos.
Quem puder que formule uma idéia da cara que fizemos ao dar com os olhos espantados que, atendendo ao chamado do Venâncio, aparecera na porta da casa. Nunca havíamos visto mulher tão feia e só então compreendemos o logro em que caíramos. Completamente atrapalhados, tratamos logo de montar a cavalo e dar o fora, enquanto Venâncio soltava gargalhadas diabólicas. De longe ainda o avistamos a abanar-nos a mão e rindo-se como um danado. Voltando-me para meu companheiro, tão desarvorado como eu, comentei:
— E esta. hein? Não é que o diabo do velho nos embrulhou direitinho? Bem diz o ditado que "uns gostam dos olhos, outros da remela".
Meu companheiro limitou-se a responder com um sorrisinho muito amarelo.
E não era para menos.
Prof Wanderley Ferreira de Rezende
trecho do Livro: Gaveta Velha.
Próximo trecho: Os viajantes retornam a casa do velho Venâncio.
Trecho anterior: O pressentimento do boiadeiro e o retorno ao lar.
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