Não há como analisar os quilombos sem identificar os elementos que eram intrínsecos às suas estruturas, ou que favoreciam a sua manutenção. Suas redes sociais com outros escravos, com alguns senhores, com os donos das vendas ou mesmo com alguns grupos indígenas foram essenciais aos seus projetos de manutenção.
As vendas têm uma presença marcante e constante na documentação que trata sobre os quilombos mineiros. As relações dos quilombolas com esses comerciantes possuíam um caráter mais amplo do que simplesmente econômico. As vendas eram pontos de encontros amorosos, de notícias a respeito de amigos e parentes, mas também de informações sobre as expedições enviadas contra os quilombos. Além disso, elas eram estratégicas porque o resultado das atividades de razias e assaltos, ou mesmo do excedente da produção agrícola ou da criação, era freqüentemente vendido aos comerciantes locais.
As autoridades não viam distinção entre as vendas controladas por brancos ou por negros. Elas eram encaradas de maneira única e todos, ou quase todos, eram acusados de ser receptadores dos furtos dos escravos, fugidos ou não:
“... as ditas negras e referidos tratantes os receptáculos aonde vai parar não só muita parte dos furtos que fazem os calhambolas mas todo o ouro e trastes que das lavras e casas divertem os que não andam fugidos a seus senhores...”1
Era sintomático que parte destes donos de vendas fossem pessoas identificadas como brancas. As autoridades que tentavam de todas as formas controlar a população, percebiam que o apoio dado aos quilombolas era extremamente perigoso porque partia de um grupo que teoricamente deveria ajudar a manter o sistema funcionando a contento. Assim, para as autoridades, “as vendas dos brancos são ainda piores do que as das mesmas negras...”2
O documento seguinte além de mostrar as relações comerciais entre escravos fugidos e os vendeiros trata também de relações de caráter pessoal entre ambos:
“... quase todas estas negras ... [recolhem] ... não somente os negros mineiros mas os negros fugidos... nas mesmas casas tem os negros fugidos o seu asilo porque escondendo-se nelas se ocultam a seus senhores e dali dispõem as suas fugidas, recolhendo-se também nas mesmas casas os furtos que fazem, nos quais as mesmas negras são às vezes conselheiras e participantes...”3
De acordo com uma carta enviada ao Conde de Galvêas, o rei pedia um parecer sobre como proceder contra as negras donas de vendas onde além de proverem-se do necessário, “... os negros salteadores dos quilombos, tomando notícia das pessoas que hão de roubar, e as partes onde lhes convém entrar e sair, o que tudo fazem mais facilmente achando ajuda e agasalho nestas negras que assistem nas vendas...”4
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1. APM SC Cod 50. Fl. 90-96v.
2. APM CMOP. Cod 63 fl. 174
3. APM SC Cod 35 documento 110
4. APM SC Cod 35. Documento 110
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