Em 1769, Cardoso de Souza foi enviado numa expedição ao Rio Doce, refúgio preferido de índios Botocudos. Lá, ele e sua comitiva encontraram uma lagoa “... tão grande que parecia o próprio mar, com ondas e marolas que faz temer navegar nela em canoas...” Além disso, continuava ele em seu relatório, “A dita lagoa tem animais monstruosos que várias pessoas da minha conduta os viram; além de eu mesmo chegar a ver o rastro de um que saiu de noite a praia que vários soldados chegaram a ver antes de retornarem a precipitar a água.”
O que se percebe nas definições para o termo Sertão é que em todas, ainda que haja entre elas um distanciamento no tempo, aparece muito claramente a oposição entre costa e interior, assim como entre povoado e despovoado.
Este último par de idéias remete a um outro ponto de discussão. A noção de que existiria uma área povoada, civilizada e controlada, contrária a uma outra, selvagem, bárbara e despovoada de cristãos – uma preocupação também para os religiosos que, em diversos momentos, para cá vieram com o objetivo de catequizar os habitantes do Brasil. Para eles, os Sertões eram povoados apenas por índios muito próximos às feras. Se, os índios do litoral que já haviam recebido os ensinamentos da fé, eram muitas vezes, identificados como “bestas”, o que não dizer dos que viviam no interior, sem contatos com a “civilização”? Estes eram para os portugueses, religiosos ou não, os piores moradores do país, os que precisavam ser conduzidos à religião, ou então exterminados.
Pode-se afirmar que no âmbito da historiografia colonial brasileira, Sertões eram regiões que ainda não haviam passado por processos civilizatórios, ou seja, ainda eram habitadas e controladas por grupos que não estavam subjugados pelo poder oficial. No decorrer de todo o período colonial, essas imagens praticamente não sofreram mudanças. O Sertão continuou sendo – na visão das autoridades - o espaço habitado por índios ferozes, nada dispostos a aceitar o contato com o europeu. Assim, tornou-se também um espaço de guerras contra estes indígenas. Manteve-se como uma região perigosa, mas cada vez que a colonização precisava avançar rumo ao interior, novas áreas eram requisitadas e novas necessidades se impunham aos colonos. Controlá-la passou a ser condição importante para a viabilização econômica da colônia. Desta maneira, o Sertão no século XVIII tornava-se uma região essencial ao projeto de civilização pensado para o Brasil.
No caso de Minas Gerais, este Sertão era ao mesmo tempo um estoque de índios aptos ao trabalho desde que escravizados, e um esconderijo perfeito para quilombolas ou tribos consideradas inimigas, provável fonte de ouro e espaço destinado à agricultura ou à pecuária. Todos estes motivos fizeram com que as autoridades coloniais e mineiras tentassem de diversos modos tê-la sob controle. Assim, transformar esta região em área colonial era um dos maiores anseios das autoridades portuguesas e coloniais. Mas para isso era preciso conhecê-la, e foi com este intuito que as elites mineiras empreenderam várias expedições aos seus Sertões.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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