A capitania de Minas Gerais era, no século XVIII, dividida em quatro comarcas: Comarca do Rio das Velhas ou Sabará, Comarca do Rio das Mortes, Comarca do Serro Frio e Comarca de Vila Rica, todas criadas em 1714. A situação só mudará no século seguinte, mais precisamente no ano de 1815, quando será criada a Comarca de Paracatu na região que pertencia antes à Comarca do Rio das Velhas. Há que ressaltar, contudo, que os limites entre as comarcas e entre as próprias capitanias não estavam ainda definidas no século XVIII.
Campo Grande era um termo genérico e, assim como Sertão, não precisava uma determinada área. De acordo com Dean, a região total do Campo Grande seria da ordem de 860 quilômetros quadrados e durante todo o século XVIII foi, assim como outras regiões, devastada em nome da busca pelo ouro e, posteriormente, em função da agricultura e da pecuária. Isso explica porque no século seguinte, quando os viajantes a percorreram, só encontraram paisagens devastadas e sem a floresta nativa. Saint-Hilaire, já desgastado da viagem, comentou sobre a existência do capim gordura, visto em quase todas as partes. Segundo ele, este capim: “... só prolifera em terras esgotadas por sucessivas culturas ou queimadas acidentalmente o que infelizmente não é raro acontecer...” (Saint-Hilaire)
Além do que a “... viagem foi tão penosa para mim quanto infrutífera para a ciência. No meio de campos, onde não há sombra, o calor era excessivo, e ao final de uma jornada tediosa e fatigante eu encontrava apenas uma comida grosseira, nada mais do que água para beber, alojamentos detestáveis e hospedeiros ignorantes e estúpidos...” (Saint-Hilaire)
A região do sertão Oeste mineiro estava compreendida numa estrutura que remete ao ecossistema do Cerrado e que possuí, portanto, características específicas a este tipo de vegetação. Entretanto, determinadas sub-áreas, devido à formação do solo e a presença maior de reservas de água, tiveram facilitada a formação de ilhas de matas mais ou menos fechadas. Estas áreas eram assim, os locais escolhidos pelos quilombolas para viverem, não somente em função de servirem de esconderijos, mas também porque era ali que estavam os solos mais férteis para a agricultura e era maior a concentração de animais próprios à caça.
Esta região se caracteriza também por ter sofrido transformações bruscas em suas paisagens. No século XVIII ainda havia matas e, portanto, condições de esconderijos e de vida para os indígenas e os quilombolas. A situação mudou completamente no século seguinte e os viajantes que por lá passaram, perceberam e deixaram suas impressões registradas.
Grande parte do Sertão Oeste de Minas Gerais era conhecido como Campo Grande e era uma área com terras aparentemente disponíveis. Logo, era passível de ser conquistada por qualquer agente social e, como conseqüência, convivia com uma série de conflitos declarados ou não.
Mesmo nas esferas oficiais, estes conflitos pela posse da região não estavam resolvidos. Durante anos discutiu-se e empreendeu-se lutas para saber quem realmente teria direitos às terras e ao mesmo tempo, às suas riquezas. A Capitania de São Paulo alegava que a região lhe pertencia. As autoridades mineiras diziam que a região havia sido desbravada e colonizada por mineiros sem a ajuda de São Paulo, logo, a área estaria sob sua jurisdição. A capitania de Goiás, desmembrada de São Paulo em novembro de 1744, também a partir de 1764 reclamava a posse da região. Para rebater todas as pretensões, Minas dava as mesmas justificativas para o seu controle: havia sido eles que retiraram da área os elementos considerados como perturbadores da ordem e iniciaram o povoamento. Daí, a posse.
Nos mapas mineiros a região em questão era mostrada como pertencendo à esta capitania, mais precisamente a Comarca do Rio das Mortes. Todavia, a mesma região apareceria também nos mapas paulistas como fazendo parte de seu território.
Estas disputas interessam muito porque evidenciam um descontrole da área por parte das autoridades, quer fossem mineiras ou não. Isto certamente favorecia muito a sobrevivência dos índios e dos quilombolas.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
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