O tráfico negreiro, era visto pelos jesuítas da mesma forma: era imprescindível ao bom andamento da economia, quer da África, quer do Brasil. Desta maneira, a carta que o Padre Luis Brandão, reitor do Colégio de Luanda, enviou à Alonso de Sandoval, de Cartagena de las Índias em agosto de 1611, é significativa porque demonstra claramente as concepções acerca do tráfico, da escravidão e do que seria legítimo em termos de cativeiro:
“... Nós mesmos que vivemos aqui já faz quarenta anos e temos entre nós padres muito doutos, nunca consideramos este tráfico como ilícito. Os padres do Brasil também não, e sempre houve, naquela província, padres eminentes pelo seu saber. Assim tanto nós como os padres do Brasil compramos aqueles escravos sem escrúpulos... Na América, todo escrúpulo é fora de propósito... É verdade que quando um negro é interrogado, ele sempre pretende que foi capturado por meios ilegítimos. Mas por esta resposta ele quer obter sua liberdade: por isso nunca se deve fazer este tipo de pergunta aos negros....”
O padre até acreditava existir alguns poucos casos de cativeiros feitos de maneira injusta, mas, “...estes não são numerosos e é impossível procurar estes poucos escravos ilegítimos entre os dez ou doze mil que partem a cada ano do porto de Luanda...” Assim, concluía o padre, “... Não parece um serviço a Deus perder tantas almas por causa de alguns casos de escravos ilegítimos que não podem ser identificados...”1
Percebe-se que nas primeiras obras sobre a colônia, as colocações acerca do cativeiro negro fazem parte de uns poucos comentários dispersos, e em obras que não objetivavam discutir esta questão. Este tópico surge como um comentário, sem qualquer crítica ou análise, apenas constatam um fato aceito e necessário2. A preocupação é mostrar, à Coroa, as riquezas e as maravilhas da terra, incentivando assim a
vinda de novos colonos.3
O padre até acreditava existir alguns poucos casos de cativeiros feitos de maneira injusta, mas, “...estes não são numerosos e é impossível procurar estes poucos escravos ilegítimos entre os dez ou doze mil que partem a cada ano do porto de Luanda...” Assim, concluía o padre, “... Não parece um serviço a Deus perder tantas almas por causa de alguns casos de escravos ilegítimos que não podem ser identificados...”1
Percebe-se que nas primeiras obras sobre a colônia, as colocações acerca do cativeiro negro fazem parte de uns poucos comentários dispersos, e em obras que não objetivavam discutir esta questão. Este tópico surge como um comentário, sem qualquer crítica ou análise, apenas constatam um fato aceito e necessário2. A preocupação é mostrar, à Coroa, as riquezas e as maravilhas da terra, incentivando assim a
vinda de novos colonos.3
Esta situação só mudará a partir de fins do século XVII e início do seguinte, quando diversos escritores iniciam uma série de análises sobre a escravidão e a sociedade formada a partir de sua influência direta. São deste momento as obras de Antônio Vieira, Antonil (1711), Benci (1705), Manoel R. da Rocha (1758), Rocha Pita (1730), Domingos Loureto Couto (1758), Azeredo Coutinho (1798) e outros, que passaram a fazer parte das leituras de um corpo muito restrito desta sociedade. Entretanto, as idéias nelas contidas atingiam a população através de sermões, discursos, ou mesmo de comentários que circulavam entre as pessoas.
Para todos esses cronistas, a escravidão africana era legítima porque seria uma salvação para o
pecado original4, ou ainda uma eleição feita por Deus. Este, na realidade, estaria usando os negros, criados à imagem e semelhança de Cristo, para salvar a humanidade através do seu sacrifício.5
Uma explicação mais prática foi dada por Antonil6, para quem a escravidão seria legítima porque sem ela não se conseguiria criar riquezas no Brasil. Uma outra justificativa, agora de natureza jurídica, foi dada por Manoel R. da Rocha7. Para ele, a escravidão era justa desde que as práticas de apresamento também o fossem. Azeredo Coutinho acreditava que era legítima porque na África a escravidão sempre havia existido e seria melhor os europeus comprarem os cativos, porque caso contrário, seriam vendidos aos mouros e/ou continuariam vivendo debaixo da licenciosidade em que sempre viveram.8 Justificava também que:
“... saber tirar vantagem do trabalho dos homens e aproveitá-los é um dos primeiros objetos da grande arte de governar; aqueles povos estão ainda muito longe desta perfeição...”9
Ainda que divergissem sobre as causas da legitimidade da escravidão africana, todos concordavam em um ponto: ela era legítima e caberia a eles, homens cultos e formados na religião cristã, mostrar o caminho para ordenar da melhor forma esta sociedade. Com este objetivo em mente, cada um procurou ensinar os melhores métodos para se atingir este fim. Através destes textos, pode-se perceber as diversas imagens que construíram sobre os negros. É este o ponto que nos interessa.
Ainda que divergissem sobre as causas da legitimidade da escravidão africana, todos concordavam em um ponto: ela era legítima e caberia a eles, homens cultos e formados na religião cristã, mostrar o caminho para ordenar da melhor forma esta sociedade. Com este objetivo em mente, cada um procurou ensinar os melhores métodos para se atingir este fim. Através destes textos, pode-se perceber as diversas imagens que construíram sobre os negros. É este o ponto que nos interessa.
Trecho de um trabalho de Marcia Amantino.
Próximo Texto: O ócio é a escola onde os escravos aprendem a ser viciosos e ofender a Deus.
Texto Anterior: A sociedade letrada e o cativeiro negro no Brasil: o bom e o mau escravo.
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1 SARAIVA, A . J. Le père Antonio Vieira er la question de l’esclavage des noirs au 17e siècle. In: Annales, (Economies, Sociétés et Civilizations),1967 citado por HOORNAERT, E. et alli. História da Igreja no Brasil. Primeira época. Petrópolis, Ed. Vozes, 1992. p. 273.
2 VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Ed. Vozes, 1986. Cap. 3
3 Ibidem p. 66
4 BENCI, J. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. Porto: Livraria Apóstolado da Imprensa, 1954.
5 VIEIRA, Antonio. Sermão 26. apud: CIDADE, H. (ed). Padre Vieira (sermões). Lisboa, 1940, v. III p. 25
4 BENCI, J. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. Porto: Livraria Apóstolado da Imprensa, 1954.
5 VIEIRA, Antonio. Sermão 26. apud: CIDADE, H. (ed). Padre Vieira (sermões). Lisboa, 1940, v. III p. 25
6 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo; Edusp, 1982. Capítulo 1.
7 ROCHA, Manoel Ribeiro da. Etíope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado. Petrópolis, Vozes Ed. 1992.
8 COUTINHO, J.J. da Cunha Azeredo. Análise sobre a justiça do comércio do resgate de escravos da Costa da África. In: Obras econômicas. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1966.
9 COUTINHO, J.J. da Cunha Azeredo. Análise sobre a justiça do comércio do resgate de escravos da Costa da África. In: Obras econômicas. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1966 p. 274
Comentários
Pergunta: Márcio, em seu território de estudo (sede do distrito do Carmo da Boa Vista, Hoje Carmo da Cachoeira), havia índios, tem algo a mais para nos contar?
Resposta: Falar da história de Lavras sem representar os acontecimentos que levaram o movimento conhecido como BANDEIRANTISMO e a DESCOBERTA DAS MINAS DE OURO, e suas próprias convulsões históricas, estaríamos nos apropriando indevidamente dos preceitos a que convêm distinguir a narração dos fatos sociais, políticos e econômicos, atribuídos à formação e ao desenvolvimento de qualquer município das Gerais, principalmente daqueles que se difundiram nas rotas das bandeiras e nos caminhos do ouro.
Desde os primeiros tempos, aquele movimento proveniente de São Paulo tinha, inicialmente, o objetivo de aprisionar índios, passando, em seguida, a receber incentivo da Coroa para as penetrações nos sertões ínvios à procura de pedras e metais preciosos, esmeraldas, diamantes, prata e ouro. E o mais contemplado com os apelos reais e governantes foi FERNÃO DIAS que, ao convencer-se de que deveria sair em busca das riquezas, preparou sua expedição que, pela importância, abriu verdadeiramente o território mineiro à exploração, formando núcleos estáveis, fixando em vários pontos, constituindo arraiais, fazendo plantações e percorrendo longos trechos. A sua bandeira foi o grande marco de penetração nas terras de Minas, pois, foi gente sua que nestas plagas ficaram, e que teriam sido feitos os primeiros achados de ouro.
Começava, assim, a acorrida para as minas de gente que vinham de todos os pontos. Em poucos anos, o território, então habitado pelos índios, tem procura intensa. A ânsia de lucro, de ganho fácil, provocou crises de todos os tipos, resultando logo em conflitos determinantes, que culminaram na retirada dos paulistas com a Guerra dos Emboabas e a criação da Capitania de Minas Gerais, separada da Capitania de São Paulo.
Todos queriam ser mineradores, explorando o que se encontrava na superfície, o ouro aluvional, o que era fácil em relação ao de mina, que exigia técnicas e capitais. Porém, a precária tecnologia usada, a escassez acentuada e os obstáculos impostos pela Metrópole, provocaram a dispersão dos mineradores, que viram na agropecuária a principal alternativa.
As várias denominações agrupadas que surgiram com a abertura e entrada do SERTÃO DOS CATAGUASES, referentes à região da COLINA DO FUNIL, confundem-se em seu povoamento, que aos poucos foram se desfazendo naturalmente, assumindo suas derivações próprias: SERRA DAS CARRANCAS, FECHO DO FUNIL; CACHOEIRA AFUNILADA DO RIO GRANDE; FUNIL DO RIO GRANDE; CAMPOS DO FUNIL DO RIO GRANDE; FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DASA CARRANCAS E SANTA´ANA DAS LAVRAS DO FUNIL, entre outros, foram substantivos que chegaram até nós através dos nossos antepassados, usados por bandeirantes e viandantes que nos primórdios hospedaram-se `sombra das matas selvagens do RIO GRANDE, ao penetrar nos longínquos sertões das Gerais e Goiás. Era quase um só lugar, visto assim pelas afastadas distâncias que atingiam e separavam a COLINA das concorridas vilas de São Paulo e São Sebastião do Rio de Janeiro.
A abertura do caminho direto da Encruzilhada para a SERRA DAS CARRANCAS e daí para o RIO DAS MORTES sem passar pelo FUNIL DO RIO GRANDE e a instalação da CASA DO REGISTRO DO OURO DAS LAVRAS DO LFUNIL, também na SERRA DAS CARRANCAS, estabeleceu o início de formação de dois pontos distintos de povoação, em que ambas as localidades assentavam pousos e serviam de morada a mineradores.
Após experimentar a mineração, o arraial das LAVRAS DO FUNIL projeta-se na agropecuária com a presença definitiva da extensa família BUENO DA FONSECA, autoridades do reino e fazendeiros criadores de gado.
A partir de 15 de janeiro de 1737, quando o governador interino da Capitania de Minas Gerais, Martinho de Mendonça e Pina e de Proença, passa a primeira Sesmaria, TALVEZ O ÚNICO E MAIS ANTIGO DOCUMENTO RELATIVO AO GOVERNO MUNICIPAL, Lavras começa a povoar-se, dando livre curso às suas tendências sócio-econômicas e culturais, associado às novas famílias que organizaram domicílios e consagraram a Nova Capela invocada à Sant´Ana, determinando, assim, a condição elevada de vida e a entrada do novo tempo com os CAMPOS DE SANT´ANA DAS LAVRAS DO FUNIL.
Nessas circunstâncias, aparece a primeira forma de jurisdição através de poderes legais para interpretar e ministrar a lei, com a expressão freguesia, cujas comunas caracterizam o agrupamento de povo e sua área geográfica compreendida, estabelecendo as primitivas formas de limites territoriais do município, que liga às atividades sociais ali aplicadas, garantiram a sobrevivência e a permanência de seus habitados, constituindo um importante núcleo próprio de cidade em desenvolvimento, que assentaria, naturalmente, as manifestações políticas e manifestações de emancipação, primeiro à condição de Vila, e, posteriormente, à categoria de Cidade, ambas já no século XIX, que para serem alcançadas, necessitou de muito esforço, perseverança e, especialmente, recursos extraídos da união de sua gente para a realização de obras fundamentais e básicas ao conceito político-imperial, o que, talvez, dignamente eleva e congratula o valor moral de seus filhos em evidência.
Resposta: Além dos obstáculos que a terra mineira apresentava aos que a vieram desbravar, pelo relevo acentuado, pelos rios invadiáveis, pelos sertões ínvios, pelas febres mortíferas e pelos animais ferozes, outros se encontram, devido à presença de tribos selvagens, algumas das quais ofereceram resistência ao invasor. Entre as mais antigas tribos que se estabeleceram em Minas, o historiador José Lúcio dos Santos assinala os Tupis, os Goiás, os Goianás, os Tupinakis, os Carijós, os Tupinambanás, os Aymorés, os Tapajós, os Tamoios, os Goitacás e os Cataguás ou Cataguases, nação que dominou o Sul de Minas, estendendo-se depois pelos sertões do Araxá e São Francisco.
O predomínio desta tribo foi tão grande que, primitivamente o território de Minas era conhecido como o "País dos Cataguás" e "Campos Gerais dos Cataguases" denominação esta que só desapareceu de todo depois de criada a Capitania de Minas, separada de São Paulo em 1720. Ocupavam desde o Sul de Minas, até o triângulo Mineiro, São Francisco, Oeste do Campo das Vertentes sendo suas trilhas aproveitadas pelos bandeirantes.
Habitavam seus povos em aldeias formadas de pequenas choças e alimentavam-se de caça, pesca, frutos e raízes, assentando-se à beira d´água (rios e lagos), nos sítios mais favoráveis à obtenção do necessário alimento, emigrando dali quando escasseavam os recursos. Serviam do arco e flecha e do tacape com grande destreza e eram profundamente supersticiosos, acreditando em espíritos subalternos, protetores alguns e malfazejos outros.
Em regra, devoravam os prisioneiros de guerra e não tinham propriamente um ritual, mas, cultuavam danças guerreiras e festivas. Os seus pajés não eram sacerdotes, mas feiticeiros e curandeiros. O seu governo e de caráter patriarcal e o chefe da tribo era o mais poderoso.
JACY DE SOUZA LIMA (1968), em Lavras do Ouro e das Escolas com base em Batista Caetano de Almeida (1827), um dos principais folcloristas de seu tempo e cultor da língua tupi-guarani, relata-nos que o escriba real Bento Pereira de Souza Coutinho escrevendo ao rei de Portugal em 1694, sobre a descrição dos caminhos percorridos pela expedição de Fernão Dias, mencionando sobre a colina dos ferozes Cataguases alcançada pela força das armas quando concluía a primeira etapa da destemida bandeira antes de fundar o arraial de Ibituruna próximo à Cachoeira Afunilada do Rio Grande, ressaltando a grande valentia na resistência dos bandeirantes na luta travada com uma horda de índios nesta encosta, quando então os Cataguases chegaram atacando de surpresa com flechas, burdunas e tacapes sobre os caçadores de esmeraldas que revidaram o repentino ataque utilizando de suas armas de fogo e de seus bacamartes, causando terrores e pânicos aos belicosos íncolas que se viram obrigados a abandonar suas ocas nas redondezas da visada colina, evadindo-se para outras plagas, onde posteriormente, foram vencidos definitivamente por Lourenço Castanhos, no lugar que recebeu o nome de Conquista (Itaguara) indo embrenhar-se na bacia do São Francisco.
A relação dessa luta com a história de Lavras, está ligada a denominação do ribeirão Vermelho, entre a serra da Bocaina e as florestas do Rio Grande, que entretanto, serviu de palco para a violenta batalha entre os bandeirantes, desbravadores e caçadores de esmeraldas, e os índios Cataguases, habitantes naturais da região, quando, então, o sangue derramado, pelos corpos lançados nesse ribeirão, tingiram, simbolicamente, suas águas de vermelho. O município de Ribeirão Vermelho com seus 40,3 Km2 de extensão territorial, possui dois sítios arqueológicos pró-coloniais: Monte Alegre e Cacho de Ouro, testemunhos de antigos aldeamentos de grupos ceramistas.
Resposta: No auge da mineração, ou seja, última década do século XVII e primeiros decênios do século XVIII, o Fecho do Funil, ou Cachoeira Afunilada do Rio Grande, ou ainda POUSO DO FUNIL, poderia comportar "entradas" havendo nelas, o Registro, espécie de alfândega, criado entre 1714 e 1715, onde funcionários e soldados da Coroa para impedir o contrabando do ouro, exigiam o pagamento de uma taxa pela passagem de qualquer mercadoria ao atravessarem o Rio Grande. Pois, nessa época, os rios em que tais taxas eram cobradas foram: Rio Grande, Rio das Mortes, Sapucaí, Verde, Baependi, Jacuí, Urucuia, Pitangui, Pará, Paraopeba, Jequitinhonha, das Velhas e São Francisco. O registro em Carrancas foi oficializado em 1714, porém com pequeno movimento. Seu provedor até o ano de 1733, foi Tomás Vás de Lima.
A consumação da Guerra dos Emboabas, as notícias das descobertas de ouro no Rio das Mortes e Aiuruoca, afluentes do Rio Grande e a Criação da Capitania de Minas Gerais, estimularam alguns mineradores, expelidos dos DISTRITOS DAS MINAS, a tentarem as explorações minerais em diferentes regiões, entre elas a que compreendia a COLINA DO FUNIL, cujo início das pesquisas se deu na SERRA DAS CARRANCAS, nas nascentes do Rio Capivari, com a presença das tropas paulistas comandadas por Amador Bueno da Veiga, neto do primeiro e grande Amador Bueno da Silva, aclamado "Rei de São Paulo" em 1641, e seu grupo de refugiados da invasão do Rio das Mortes após a guerra dos Emboabas. As tropas de Amador Bueno da Veiga instaladas na passagem do caminho velho próximo ao Rio Capivari, recebeu dos passantes do aludido caminho a denominação de "Guarda dos Corujas" em razão de permanecerem dia e noite vigiando a citada passagem, dando origem ao lugar conhecido como "Coruja", onde em seguida foi construída uma Capela de Nossa Senhora do Rosário da Cachoeira do Rio Grande que deu origem ao distrito do ROSÁRIO DE LAVRAS (JACY DE SOUZA LIMA, 1968).
Em 1720, surgiram as descobertas da COLINA DO FUNIL de novos vieiros de ouro atraindo muitos mineradores das Gerais, conforme relata o Comendador Ângelo Elói da Câmara em carta ao Prof. Firmino Costa, com base em Francisco Ignácio Ferreira e J. C. Millet de Saint Adolphe, autores dos Diccionário Geographico das Minas Gerais e Diccionário Geographico, Histórico e Descriptivo do Império do Brazil, 1845, respectivamente.
As catas, betas e gupiaras comumente apontadas na mineração dessa zona, referiam-se aos ribeirões do Charquinho, Matadouro e Vermelho. O ribeirão Vermelho que corta a parte norte do perímetro urbano da cidade de Lavras tem sua nascente localizada no distrito de Engenheiro Bhering (Prudente), possuindo em sua drenagem de maior comprimento, uma extensão de aproximadamente 15 km. até o ponto em que desagua no Rio Grande, na divisa com o município de Ribeirão Vermelho. Nesse percurso recebe várias denominações entre as quais destacam-se ribeirão da Santa Casa, córrego do Fabril e ribeirão do Madeira, etc. O ribeirão Vermelho, apresentou-se como o principal núcleo de produção das LAVRAS DE OURO DO FUNIL, comportando-se notavelmente a mais importante lavra denominada de 'Real Grandeza" (FIRMINO COSTA, 1907), que surgiu nas imediações do MADEIRA, de onde acredita-se ter surgido também uma primitiva povoação.
Se a ocorrência na busca de ouro das LAVRAS DO FUNIL não garantiu a ocupação do território da cidade de Lavras, por outro lado, definiu o averbamento daquelas primeiras famílias que iniciaram o povoamento com a aplicação ponderada da agropecuária.
Até o ano de 1737, os pousos de bandeiras e ranchos que serviam ao fluxo temporário de bandeirantes, mineradores, tropeiros, viandantes, ente outros, que demandavam pelo sul, apenas configuravam o roteiro das minas. A partir desta data a qual tomamos com "data referencial" é que novas expectativas surgiram em proveito do arraial que se formava.
Entre os principais nomes que figuram no primitivo povoamento dessa zona, estão o Capitão Manoel Garcia Velho, morador do Rio Grande, autoridade do fisco na COLINA DO FUNIL, o Capitão Amador Bueno da Veiga e o Capitão Francisco Bueno da Fonseca.
Amador Bueno da Veiga era filho de família tradicional da Vila de São Paulo e já havia sido convidado pelo Governador Artur de Sá e Menezes para abrir o "caminho novo do Rio de Janeiro para as Minas" em 1698, quando chegou a recusar o serviço; e Francisco Bueno da Fonseca, era Capitão-Mor e havia participado da bandeira de Garcia Rodrigues Pais no regresso ao sertão do Sumidouro em 1683, e um dos principais "paulistas" moradores do DISTRITO DO LRIO DAS MORTES, sendo também, um dos "paulistas" de maior destaque no exército de Amador Bueno da Veiga. Era o pai de Diogo Bueno da Fonseca, futuro Guarda-Mor dos CAMPOS DE SANT´ANA DAS LAVRAS DO LFUNIL. Capitão-Mor e Guarda-Mor, nessa ocasião, eram autoridades coloniais administrativas nomeadas pelo rei e cuja função, entre outras, era fiscalizar, determinar, repartir e distribuir datas concedidas a indivíduos pela Coroa Portuguesa para exploração mineral.
O Projeto Partilha encontrou resposta na edição do autor, do ano de 1942, no capítulo "Nas Selvas". O Cataguá, p.5,6 e 7. Seguem-se alguns trechos da obra: Baependí é uma terra sul-mineira, possuidora de rico patrimônio histórico, do qual falaremos, neste trabalho, aos que estimam pessoas e coisas ilustrativas ou respeitáveis do passado.
Situada em uma região que foi, anteriormente ao desbravamento das Gerais, dominada pelo intimorato (destemido, sem temor, valente, corajoso) CATAGUÁ, procuraremos, de início, surpreender, nas selvas, algo da vida nômade e belicosa daquele aborígene.
Foram os silvícolas dessa famosa tribo, como se sabe, valentes adversários dos arrojados homens que se internavam pelos sertões, preando índios, buscando ouro, descobrindo gemas.
Diogo de Vasconcelos, escrevendo sobre esses indígenas, apanhou seu tronco, o Teremembé, no rio Jaguaribe, em fase migratória, cindido em duas hordas (massa de grupo sem muita organização), uma das quais foi ter às nascentes do S. Francisco e a outra à foz do Paranaiba; chocando-se entre si, no RIO GRANDE, decidida a vitória, na barra do SAPUCAÍ, em favor de uma das ditas hordas, seguiu a vencida para os lados de Taubaté, ficando a outra senhora da região, de onde, mais tarde, fora, também, repelida.
Segundo o mencionado escritor, "Catuauá", origem de Cataguá, quer dizer "gente boa" e "Puxiauá", nome que os indígenas emprestavam ao inimigo, significa "gente ruim".
J. Nogueira Itajiba, rebento de um dos velhos troncos de Baependí, em suas interessantes memórias, intituladas TRECHOS DE VIDA, explicando porque adotou o nome ITAJIBA, reportou-se ao cacique dos TABAJARAS do norte do Brasil e a dois chefes CATAGUÁS DAS TABAS DE BAEPENDÍ, cujos famosos nomes inspiraram o que para sua pessoa escolheu aquele escritor.
Um desses últimos indígenas chamava-se ITAJIBAÇÚ (ou ITAJIBUÇÚ), expressão que significa "braço de pedra rija"; o outro filho de Itajibaçú, tinha o nome de Jaguariuna.
A simples enunciação desses nomes selváticos mostra a força e o respeito que deviam inspirar na região em que dominavam.
Itajibaçú, como se vê das referências a ele feitas pelo citado J. Nogueira Itajiba, atingira idade avançada e, fatigado, passou a chefia das tabas cataguás de Baependí a Jaguariuna. O velho chefe, entretanto, lá se conservou, entre os indígenas, dispensando-lhes os conselhos ditados pela sua longa experiência da vida. Faleceu com a idade de 75 anos. Deixou descendência, a que pertencia a respeitável matrona sra. Delfina Constança de Magalhães, esposa do alferes Joaquim Carlos Nogueira de Sá,(inventário em Baependi. Ano:1873), que foi senhor do Rego d´Água e do Tabuão. Não faltavam àquela senhora destemor e firmeza, dando provas disso quando seu marido se enredara em movimentos revolucionários que agitaram Minas Gerais. Faleceu ela com 92 anos de idade, deixando - herdeiros do sangue cataguá - os seguintes filhos: José Militão Nogueira de Sá, José Cândido Nogueira de Sá, Pedro Carlos Nogueira de Sá, pai do dr. Nogueira Acaiaba, Herculano Nogueira de Sá, Joaquim Nogueira de Sá (sr. Quim, do Rego d´Água), d. Maria Teresa Nogueira de Sá (mãe de Senhô Carneiro), d. Maria Nogueira de Sá, Francisca Nogueira de Sá, Juventina Nogueira de Sá.
A propósito do nome Itajiba, Nelson de Sena, em Traços de etnologia brasileira sobre a onomastica indígena, entende que sua melhor pronúncia deve ser "Itagibá". Nota, em relação ao significado da expressão "braço de pedra", que nossos selvagens não faziam uso de metais. Ainda na "idade da pedra", a dureza da mesma tomariam com símbolo de rigidez de seus músculos.
Ao nome do chefe cataguá da terra baependiana, certamente, para exteriorizar maior valor, acrescentou-se a terminação "uçu". O seu não devia ser qualquer braço de pedra, mas um "grande braço" e de pedra "rija".
Que diremos a respeito de Jaguariuna?
Sabe-se que, dentre os animais ferozes, existentes no Brasil, o jaguar, sanguinário e destro, é um dos mais temíveis. O felino mosqueado de negro, porém, sobrepuja a todos. Jaguariuna herdara de seu pai as armas de chefe guerreiro e devia mesmo ter um nome que, por si, exprimisse seu valor.
Volte-se, entretanto, nossa atenção para outro nome - o de Baependí, vindo da fragrância das selvas e do rumorejo das águas que por elas rolavam.
Disse Mons. Marcos Nogueira, em memorável conferência, feita por ocasião do centenário da vila baependiana: "Esta social criatura nasceu na confluência de dous rios, e, na flor de suas águas, recebeu no baptismo o nome Baependy".
Segundo Carlos Copsey (Annuario Hist.- Chorogr. de Minas Geraes, de Nelson de Sena), a palavra "Baependy" assim é decomposta: "mbae" coisa - "pe", interrogativo - "nde", tua (é tua esta coisa? pertence-te isto?). Muito curioso, nossos índios crivavam de perguntas os sertanistas que encontravam.
Teodoro Sampaio ensina (O Tupi na Geographia Nacional) o seguinte: "Baependy, antigamente Maependy; corr. de mbé-pindi, que se traduz: o limpo, a clareira, a aberta, em allusão a uma clareira na mata marginal do RIO GRANDE, facilitando a passagem do caminho dos descobridores de Minas Gerais".
Plinio Airosa, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, assim se manifestou: "(Mbaépindi) - o lugar limpo, roçado, raspado, a zona em que posavam os caminhantes, abrindo uma clareira, limpando uma certa áreas na floresta".
MATRIZ DE BAEPENDÍ. Origens.
Ergue-se, em terras da cavalheiresca e religiosa Espanha, a 1130 metros acima do nível do mar, afastada 35 ou 40 quilômetros de Barcelona, a famosa montanha denominada Monserrate.
Da Catalunha, assim como dos Pirineus franceses, e Aragão, das Baleares e mesmo do Mediterrâneo, avistam-se seus píncaros. Original e imponente, em latim chamada Mons Edulius, Serratus, distende-se por uma área de vinte e tantos quilômetros.
Um aglomerado de pirâmides superpostas marca um dos traços característicos daquela notável montanha, de tonalidade pardacenta.
A ação corrosiva das águas, durante longo tempo, dera fantástica modelagem às suas enormes massas calcáreas, afinando-as como se fossem dentes de uma gigantesca serra.
Daí, o nome - Monserrate.
De certo ponto para o alto, divide-se a montanha em duas partes, havendo, entre uma e outra, sulcos por onde jorram as águas das chuvas, formando improvisadas cascatas.
O terreno, ao sopé da serra, é fértil, e aí, vinhedos e olivais desenvolvem-se bem.
Histórias comoventes ligam-se à conhecida montanha. Velha tradição refere que a mesma fendera, ganhando a estranha forma atual, quando se consumara o sacrifício do Calvário.
Uma como que predestinação religiosa assinala a célebre montanha de que tratamos.
Sob sua invocação, dedica-se um grande culto à Virgem Maria, o qual, segundo contam, começou desde o ano 50, quando sua imagem foi trazida, diz-se, a Barcelona, pelo próprio S. Pedro.
Que a devoção é antiquíssima, no-lo atesta uma bula do papa Gregório XV, citando um breve de Clemente III, 1187-1191, que concede graças e privilégios à Confraria de Nossa Senhora do Monserrate.
Uma suave narrativa uniu indissoluvelmente o nome da majestosa montanha à devoção de Maria.
Foi nos fins do século IX. Pastores, que naquela serra montavam guarda a seus rebanhos, viram, próximo às cumiadas da mesma, brilhar uma luz em tarde encantadora. Foram atraídos pelo misterioso clarão, sentindo, em suas almas, ao contemplá-lo, um grande enlevo.
Não sabiam como explicar o que sentiam; procuraram seu pároco, a quem tudo referiram. Pároco e povo que o acompanhara testemunharam a verdade, narrada singelamente pelos pastores.
Todos os sábados, aparecia, no sítio indicado, a luz, resplendente, deslumbrando os olhares que se voltavam para o alto.
O caso foi levado ao conhecimento do bispo de Vich, Gotomaro. Este, seguido de numerosa comitiva, dirigiu-se ao local, de onde partia a irradiação da luz, que aos pastores tanto maravilhara.
Depararam, então, com um espaço no seio da rocha, onde estava a imagem de Nossa Senhora. Dalí, partiam as cintilações, que maravilharam a quantos tiveram a ventura de as contemplar.
Maria era a fonte da luz observada.
À Virgem foram prestadas homenagens.
Conta-se mesmo que, em alguns sábados, era saudada por músicas celestes.
Dizem que, ao ser trasladada a sagrada imagem do local de seu aparecimento, tornou-se extraordinariamente pesada, não podendo movê-la os que a acompanhavam, nem mesmo o bispo; aí ergueu um templo.
Como, porém, teria ido parar a Monserrate a imagem de Virgem?
Admite-se que lá fora escondida no século VIII, para, assim, não ser profanada pelos mouros; que a referida imagem era venerada, antes, em Barcelona, na igreja dos Santos Justos e Pastor.
Para a Virgem do Monserrate voltaram-se sempre, confiados, os corações dos fiéis.
Considerada como amparo e consolo dos crentes, estendeu-se por toda parte sua devoção.
A imagem a que nos referimos é de madeira, como sua coroa, Menino que traz e a cadeira em que se assenta; sua túnica e seu manto são dourados, como a dita cadeira.
Rosto e mãos da Virgem e do Menino são de cor negra. A imagem tem quase um metro de altura.
Porque se erigiu Nossa Senhora do Monserrate em orago da matriz de BAEPENDI?
É o que vamos estudar nas linhas seguintes.
Naquelas mesmas terras da Espanha, no outrora célebre reino de Aragão, vivia, segundo J. Nogueira Itajiba, d. Fernando Rodríguez Noguera, fidalgo, que emigrara para Portugal, onde, ao tempo da invasão dos mouros, fixara sua família. Seus descendentes derramaram-se pelas Canárias, pela Madeira, vindo dessas regiões para São Vicente e para São Paulo.
Natural da ilha da Madeira era o capitão-mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, casado com Maria Leme do Prado, velhos habitantes de BAEPENDÍ, pais de Maria Nogueira do Prado, esposa de Luiz Pereira Dias, moradores, estes, no sítio da Palmeira, do distrito da referida cidade.
Pelo exposto, é presumível que, no seio desta família, que ligava suas origens à Espanha, fosse bem viva a devoção à Virgem do Monserrate.
Ora, essa mesma Maria Nogueira do Prado, fazendo em 20 de janeiro de 1754, doação do terreno para o estabelecimento da freguesia de Baependí, e ereção de sua matriz, impôs a condição de ser seu orago Nossa Senhora do Monserrate.
Se a Matriz não fosse construída ou se sua construção se fizesse fora do terreno indicado, a doação ficaria sem efeito, declarava o respectivo título, recebido, então, pelo padre Antônio Batista.
A igrejinha antiga, à margem direita do RIO BAEPENDÍ, entrara em ruína e sua mudança era necessária.
Alfredo Moreira Pinto, em APONTAMENTOS PARA O DICCIONARIUO GEOGRAPHICO DO BRASIL, depois de se referir a velhos provimentos, de 1753 a 1756, conclue que a mudança, para a margem esquerda do mesmo rio, verificara-se em 1754, ou 1756.
Após citar nomes históricos como, cônego Amaro Gomes de Oliveira como provisor de fr. Manuel da Cruz; d. fr. Domingos da Encarnação Ponteval, em 1781; d. fr. Cipriano de S. José, em 1800; d. fr. José da Santíssima Trindade, em 1824; d. Antônio Ferreira V~çoso; Antônio Cardoso de Sousa Coutinho, vigário da vara da Archidiocese de Marianna; Feu de Carvalho, em artigo publicado no O PATRIOTA; Acúrcio Nunan; Xavier da Veiga, conclui o texto com o seguinte: "O livro TOMBO da Matriz, em referência à velha igrejinha, diz ter sido a mesma abandonada em 1754, quando foi bento o novo templo". Ao se referir a velha igrejinha, diz: "No primeiro (...) provimentos, vê-se citado (...)com pobre cobertura de palhas. Semelhante cobertura faz-nos recordar a da casinha do colégio, dos tempos de Anchieta, na antiga Piratininga.