Há na documentação sobre o século XVIII mineiro, uma gama variada de queixas sobre os salteadores e assassinos que vagavam pelas Serras e Sertões. O caso da Quadrilha da Mantiqueira foi talvez o mais famoso. Mas não foi o único. A existência da quadrilha e de seus atos veio a público em 1783 e quem governava a capitania era D. Rodrigo de Meneses. A quadrilha ficou famosa por assaltar contrabandistas de ouro e de diamantes. Os assaltados simplesmente sumiam e os parentes ou sócios não procuravam investigar a fim de não levantar suspeitas sobre o ofício ilegal.
Entretanto, a quadrilha foi ficando cada vez mais audaciosa e passou a atacar todos os tipos de pessoas que pudessem portar consigo riquezas. Rapidamente o medo se espalhou pela população e a Serra da Mantiqueira ficou sendo um local perigoso:
“... Estes acontecimentos, senhor, têm atemorizado tanto os tropeiros e viandantes do caminho, que fazem parar na Borda do Campo e no Registro até terem número bastante para seguirem; o mesmo fazem os que vêm debaixo da Mantiqueira com medo de ser roubados, e com temor daquele passo...”1
De acordo com Vasconcelos, os componentes da quadrilha viviam em dois locais distintos, Barroso e Ressaca. De cada um destes locais, vigiavam os que iam para a Serra, comunicavam-se entre si e partiam para as áreas mais altas à espera da vítima. Estes componentes da quadrilha eram homens da várias etnias. Havia ciganos, mestiços carijós, negros e brancos. O líder, Joaquim de Oliveira, conhecido pelo apelido de Montanha, era um branco.
Em setembro de 1782 um morador do Tejuco, José Antonio de Andrade desapareceu após passar pelas últimas vilas antes de chegar ao pé da Serra. Várias diligências foram enviadas a sua procura. Tudo em vão.
Em abril do ano seguinte, um grupo de tropeiros, acidentalmente, localizou uma cova. Descobriu-se mais tarde que dentro dela haviam três cadáveres e alguns pertences.
Os corpos pertenciam a Antônio Sanhudo de Araújo, negociante de fazendas e morador no Rio das Pedras, um rapaz que o acompanhava e um pajem. José Aires Gomes, em carta ao governador informava que:
“...Parece serem pegados a mão e levados para o mato, onde os mataram a facadas, e o companheiro sangrando na garganta de ambos os lados, sem mais ferida, e o preto também sangrando na garganta; se inferem serem pegados a mão, porque o dito Sanhudo se achava com uma faca na algibeira...”2
Próximo a esta cova foi localizado um sítio com “...uma cafua com sinais de camas para várias pessoas e vestígios onde permaneceram animais amarrados...” O Coronel José Aires, fazendeiro importante da região e responsável por seu patrulhamento, escreveu a D. Rodrigo relatando o caso e citando outras mortes que haviam acontecido na região.
Informou também, ter formado uma companhia para procurar nas matas, o corpo de José Antônio Andrade. Continuava a carta revelando que dias depois, auxiliado pelo Alferes Joaquim José da Silva Xavier, havia encontrado uma farda, um freio e um selim, que eram provavelmente de um soldado da tropa paga que havia sido trucidado. A companhia havia também localizado um sítio com lugar para dez camas e uma outra sepultura que era de José Antônio, de seu pajem e de um cão. José Antônio havia sido morto com um tiro na testa e uma facada no peito. A companhia conseguiu ainda efetuar várias prisões. Dentre elas, a do cabra Joaquim José que deu todos os detalhes sobre a quadrilha. Mostrou ainda outra sepultura com 12 corpos e posteriormente, uma outra com um homem gordo desconhecido, dois negros, selas e as bestas. Foi preso também o caboclo Miguel Pinheiro de Resende, cúmplice da quadrilha. Foi ele quem afirmou ser o Montanha, líder do grupo.
A partir de alguns poucos ofícios citados por Vasconcelos, chega-se à conclusão de que a quadrilha possuía em torno de 15 pessoas: o cabra Januário Vaz, o caboclo Miguel Pinheiro de Resende, o soldado Baltazar José Lauriano, João de Almeida ou João da Gama, Bartolomeu, o cigano João Galvão , o líder Joaquim de Oliveira, e mais outros 8 presos.
A formação heterogênea permite perceber o que era a estrutura social em Minas Gerais, ou seja, uma sociedade formada com grupos oriundos de diferentes meios e etnias, vivendo em busca de riquezas e de ouro. Além disso, havia também uma grande e não controlada transitoriedade permanente entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os caminhos se transformavam assim, em locais por excelência para a sobrevivência de todo tipo de pessoas e atividades.
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1. Carta de Joaquim José da Silva Xavier a D. Rodrigo de Meneses, 19.4.1783. Appud.Vasconcelos, Diogo de. Op. Cit. P. 273
2. Carta de José Aires Gomes a D. Rodrigo de Meneses, em 9.4.1783. Appud. Vasconcelos, D. Op. Cit. P. 271
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