Na praça da Matriz o povo se comprime. A multidão, compacta e expectante, Aguarda ansiosa a encenação. Semblantes comovidos, olhares de desdém, Alguns indiferentes, até sorrindo vêm, Tal como aconteceu há quase dois mil anos. O narrador apresenta os soldados romanos. Vai começar estranho julgamento; Um Deus será julgado por vassalos; Um justo julgado por iníquos; Um inocente isento de labéu, Que testemunhas falsas torna réu; A verdade eterna frente à hipocrisia. Traído por amigos é preso e manietado. Ao Sinédrio é levado e julgado à revelia E começa a beber o cálice da agonia. O preso é levado à presença de Anás, Que por sua vez o remete a Caifás; De Caifás é então levado a Pilatos, Que o remete a Herodes. Com estrema crueza e maus- tratos, É de novo levado ao governador Pilatos. Em seu lugar, libertam Barrabás, E a humanidade, até hoje, não sabe o que faz. Pilatos lava as mãos, ó grande pusilânime! E o réu tomando a cruz, seu corpo quase exânime, Sob seu peso tomba e cai, Mas, de novo se levanta e assim vai, Até chegar ao cimo do Calvário. E lá se consome o crime extraordinário. Cravado à cruz, entre o céu e a terra é levantado. Entre dois ladrões, lá está o Cordeiro Imaculado. Ao pé da cruz, sua Mãe (ó dor dilacerante!) Junta sua lágrima à de Cristo agonizante. Com Madalena, lá estão Maria e o discípulo amado, Ao ser cravado à cruz Ele perdoa. E ao ver o discípulo e sua Mãe ao lado, Seu único tesouro Ele nos doa. E ao ver que tudo estava consumado, Inclina a cabeça e entrega seu espírito Àquele de quem é Filho muito amado. A natureza se contorce e assim se evidencia A sua divindade, a grande teofania. Descido da cruz, seu corpo inerte É entregue a sua Mãe para que o aperte Pela última vez em seus maternos braços, Dilacerado o corpo e dos membros lassos. E a cruz lá está triste e solitária. Ergue-se ao céu uma vibrante ária. O orador, em apóstrofes magistrais Tece-lhe elogios brilhantes e imortais. Sai o cortejo silencioso, grave e lento Mas, traduzindo do povo o sentimento, Irrompe a banda em triste e doloroso acento. Pelas ruas da cidade vai em frente; Milagres acontecem e o povo sente. Pelo esforço, ainda mais se comove a multidão: Bento Leite, Omar, João Caldeira e Sebastião, Jorge, Rubens, Rômulo, Janir e Tião Nogueira, João Costa e Geraldo, Eli Alves, Itamar, Nicodemos. Paulo Sales, Olinto, Assis, João Paulo, Aurílio e outros mais. Seu amor à arte há de ficar em nossos anais. Segue o cortejo levando o Senhor morto, Como um navio em busca de seu porto. Cada nota é uma lágrima, um lamento nunca visto, É uma lágrima de Mãe, é uma Lágrima de Cristo!
Trecho da obra: Encontros e desencontros de Maria Antonietta de Rezende
Projeto Partilha - Leonor Rizzi
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